terça-feira, 22 de março de 2011

VIDA MODERNA: P2P: R$ 3 para downloads ilimitados. Como seria?

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Para pesquisadores, faltou na proposta de reforma da Lei de Direitos Autorais a regulamentação do ambiente digital
Por que não aproveitar o momento de revisão para fazer uma lei que descriminalize o P2P e garanta a remuneração dos autores?

Essa é a proposta de pesquisadores da UFRJ e do Gpopai (USP), que lançaram um site com uma petição online pela inclusão do artigo 88-B na reforma. Aqui, o pesquisador alemão Volker Ralf Grassmuck, que adaptou a proposta internacional à realidade brasileira, explica como funcionaria o modelo.

O modelo de pagamento mensal por compartilhamento de arquivos já existe em outros lugares do mundo. Você cita alguns no seu artigo. Mas qual se aproxima mais do proposto por vocês?
Existe o modelo de uma taxa fixa sobre os dispositivos de cópia e mídias graváveis. Este é um pagamento único por parte do consumidor para os criadores em troca da liberdade de fazer cópias privadas. Criado na Alemanha em 1965, este modelo foi adotado em muitos países. Como sou alemão, este é o modelo — com todas as suas vantagens e problemas — que eu tenho diante de mim, ao pensar sobre o compartilhamento de arquivos online.

Outro modelo que é muitas vezes mencionado é o rádio. Quando as estações de rádio começaram, eles simplesmente tocavam música sem pedir permissão ou pagar por isso. Rádios pirateavam gravadoras, que tinham pirateado editores de música. A solução foi uma licença concedida por lei para a radiodifusão de qualquer gravação de música em troca de uma taxa paga aos criadores.

O modelo de pagamento mensal por compartilhamento online foi a primeira sugerida por estudiosos de lei de direitos autorais. William Fisher, do Berkman Centre para Internet e Sociedade da Harvard Law School foi um dos primeiros a discutir o assunto em seu livro de 2004, 

Na França, em 2005, uma aliança de organizações de música, artes visuais, sociedades de gestão coletiva, consumidores e usuários de internet promoveram este modelo no Alliance Public-Artistes. Deputados socialistas e conservadores do Parlamento apoiaram o modelo, propondo alterações à lei de direitos autorais. Elas foram transformadas em lei em dezembro do 2006, mas foram rapidamente revertidas depois que a indústria do copyright proclamou “guerra total” na “licence globale”, como o modelo foi chamado lá. Desde então, uma nova coalizão se formou na França:Création Public Internet.

Na Itália, houve projetos de lei para introduzir o modelo. Na Bélgica, existe atualmente um. Na Alemanha, o Partido Verde tenta promovê-la. No Canadá, é a Songwriter Association.

Portanto, a resposta é não. O modelo ainda não existe. O Brasil seria o primeiro a implementar na legislação nacional.

No modelo proposto, vocês afirmam que é fundamental a existência de uma entidade de gestão coletiva de direitos para arrecadar o valor pago pelos provedores. Por que? 
Quando eu sou um autor e você é um editor, podemos sentar e negociar um contrato com todos os termos que considerar importantes. Mas, quando meu livro for publicado, será emprestado a partir de bibliotecas, será fotocopiado e talvez parte dele será lido num programa de rádio ou dele será feito em um filme. Não posso negociar contratos individuais com todos os usuários do meu livro. A única forma é a concessão de uma licença pública para fazer essas coisas.

Essas permissões legais podem ser gratuitas, como o “fair use” nos EUA, ou podem ser condicionadas ao pagamento de uma taxa, como na maioria dos países europeus. Sempre que há uma taxa, ela tem de ser distribuída de forma justa com aqueles que criaram as obras. Para isso precisamos da gestão coletiva. É geralmente reconhecido que a importância dessas organizações coletivas dos autores e dos artistas subirão na era digital.

No seu artigo, você fala sobre o modelo alemão do meio do século XX, em que o governo permitiu a cópia privada e exigiu que produtores e importadores de gravadores de fitas adicionassem uma taxa de direito autoral ao preço de seus equipamentos. Dá para criar um paralelo direto entre essa situação e o projeto proposto por vocês?
Sim, em ambos os casos, os meios tecnológicos que foram reservados para as grandes instituições ou corporações tornaram-se disponíveis para todos os cidadãos. Na década de 1950 gravadores de áudio pela primeira vez permitiram aos indivíduos copiarem gravações de som, seguido de gravadores de áudio e vídeo, fotocopiadoras, scanners etc. Os meios de reprodução se democratizaram. A lei de direito autoral não deve tentar bloquear o tsunami das cópias privadas que surgiu, mas permitir que ele e reequilibre a relação entre autores e público por uma pequena taxa.

Com a revolução digital na década de 1990, os meios de distribuição tornaram-se acessíveis a todos. Pense nas frotas de caminhões que transportam jornais, livros, CDs de música para as lojas de todo o país. Pense em todas as infra-estruturas necessárias para manter uma rede de TV nacional. Hoje é mais fácil. Você pode enviar um tweet para milhares de pessoas a partir do seu telefone móvel ou publicar em seu blog ou fazer upload de um vídeo no YouTube. Ou, na verdade, republicar seu filme ou álbum favorito como um torrent ou no RapidShare. Novamente, a mudança no ambiente de conhecimento é tão fundamental, tão grande, que qualquer tentativa de revertê-la, está fadada ao fracasso. Só podemos permitir que ela exista e remunerar isso.

Há também o terceiro turno fundamental provocadas pela revolução digital: não só os meios de distribuição e reprodução, mas igualmente importante, os meios de produção foram democratizadas. O PC é, de fato, a máquina universal de produção de qualquer tipo de bens simbólicos. Como conseqüência, estamos vendo um tsunami de criatividade e de remix. E, novamente, as velhas regras tornaram-se sem sentido. Novamente, a única solução possível é permitir essa prática de massa, como o MinC já está sugerindo em seu anteprojeto de lei de direitos autorais.

O governo brasileiro está preparado para lidar com essa questão? Quais são as principais diferenças, na sua opinião, entre os governos do Brasil e da Alemanha em relação à cultura digital e, mais especificamente, à proposta de legalização do P2P?
Sim, o governo brasileiro sinaliza claramente que está disposta a assumir a liderança no desenvolvimento de uma solução.

Quando cheguei ao Brasil há um ano, os sinais que eu recebi são que o P2P é uma questão controversa e quente. E é uma questão tão grande, que nenhum país pode resolver sozinho. Só as Nações Unidas. Até não muito tempo atrás, você podia ler no site da Consulta Pública sob o título “Dúvidas Frequentes”, como resposta à pergunta sobre “liberando o upload EO download” que “o anteprojeto de revisão da LDA não propõe a liberação na internet de arquivos digitais de obras protegidas sem autorização dos autores.” Mas isso tem mudado claramente. Desde meados de agosto essa questão desapareceu do “Dúvidas Frequentes”.

Na Alemanha, há pessoas individuais nas instituições, no GEMA (o equivalente alemão ao ECAD) e também no Ministério da Justiça (responsável por fazer a lei de direito autoral) que lhe dirão que uma licença do compartilhamento é a única resposta possível. Nas comunidades criativos e públicos e na oposição política, as vozes pedindo a legalização do compartilhamento de arquivos e um fim à guerra da cópia estão ficando mais forte. Mas a política oficial ainda é tímida.

O Brasil é mais corajoso. Ele se levantou contra a indústria farmacêutica e implementou as licenças compulsórias de medicamentos para HIV. Ele levantou-se contra a Agenda do Desenvolvimento na OMPI. Ele se levantou contra a indústria de software, promovendo uma política de software livre abrangente. E o ex-ministro da Cultura de Gilberto Gil estabeleceu uma política de cultura digital livre que muitos em todo o mundo se maravilharam.

Um novo acordo criativo entre artistas e público é claramente necessário. A licença do compartilhamento é um elemento importante deste acordo. O momento é propício e o Brasil é o país para fazê-lo. A vontade política existe. Com o Marco Civil e a nova lei de direitos autorais, o curso é definido no sentido de garantir o acesso à riqueza de nossa cultura coletiva, a sua melhor utilização possível na educação e na inclusão social.

A licença de compartilhamento será um grande passo nessa direção. Irá certamente enfrentar a resistência feroz dos quatro principais empresas de música global e outras corporações de mídia. Mas, quando os artistas do Brasil e o público decidirem pela remuneração coletiva para a liberdade de compartilhamento, nada poderá detê-los.
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