"Reconhecimento é a melhor forma de estimular alguém”
Para o filósofo Mário Sérgio Cortella, a ausência de reconhecimento é a grande causa da atual desmotivação nas empresas
PALESTRA DO PROFESSOR MARIO SERGIO CORTELLA REALIZADA
EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS (FOTO: LUCAS LACAZ RUIZ / A13 / AG. O GLOBO)
O salário não é a principal fonte
de insatisfação dos brasileiros dentro das empresas. Mais do que uma
remuneração condizente com o que seria justo pelo seu trabalho, as pessoas
querem ser reconhecidas e valorizadas dentro das organizações. Ser mais uma peça
da engrenagem é um fardo nos tempos atuais, defende o filósofo Mário Sérgio
Cortella.
Docente, educador, palestrante e consultor de empresas, Cortella
afirma que a principal causa da atual desmotivação é a ausência de
reconhecimento. E ela manifesta-se de várias formas: do chefe injusto à falta
de valorização em cada projeto e tarefa. Não é uma questão puramente de
promover o elogio desmesurado, mas uma forma de “dar a energia vital ao
funcionário para continuar fazendo e seguindo em frente". É principalmente
evitar a mensagem de que "não ser mandado embora já é um elogio" ou
que "o silêncio é a melhor maneira de dizer que está tudo em ordem".
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Em seu novo livro, Mário Sérgio
Cortella fala sobre reconhecimento e de outras questões que considera inerentes
à insatisfação de muitas pessoas hoje em relação ao próprio emprego. Em “Por
Que Fazemos O Que Fazemos” [Editora Planeta], o professor reflete sobre
próposito e por que as pessoas almejam empregos que conciliam uma satisfação
pessoal e a certeza de não realizar um esforço “inútil” dentro da sociedade.
Este tipo de aflição ganha maior evidência com a geração millennial que passou
a almejar um “projeto de vida que não soe como conformado”, ou seja, do
trabalho pelo trabalho. É sonhar com o trabalho grandioso, com uma rotina que
não seja monótona, com um 'projeto que faça a diferença'. Por outro lado, é uma
geração também que chega - em parte -
com pouca disciplina, que tem ambição e pressa, que vê seus desejos como
direitos - e ignora os deveres.
Todas essas aflições corporativas
têm moldado a forma de atuar das empresas e das pessoas na hora de se
associarem a um emprego. Em momentos de crise econômica, elas ganham um nível
de contestação ainda maior. Em entrevista, Cortella comenta
esses dilemas e mudanças, os “senões” de se fazer o que se ama e por que há uma
“obsessão enorme por uma ideia de felicidade que não existe”:
As pessoas não querem mais
somente um salário mais alto, querem acreditar que fazem algo importante,
autoral. Por que a necessidade de ter propósito ganhou maior relevância? É uma
questão geracional?
Ela é mais densa e angustiante na
nova geração que enxerga muitas vezes na geração anterior, que a criou, certa
estafa em relação ao propósito. É muito comum que jovens e crianças enxerguem
hoje nos pais algum cansaço e até tristeza naquilo que fazem. O pai e mãe dizem
“eu trabalho para sustentar, esse é meu trabalho”. Há uma grande conformidade.
E essa conformidade de certa forma acabou marcando uma nova geração, a
millennial, que traz aí a necessidade de ter algum projeto de vida. Eles não
querem repetir um modelo que, embora esforçado, dedicado e valoroso soa, de certa
maneira, como conformado. Hoje há uma aflição muito grande na nova geração de
maneira que se traduz numa expressão comum: “eu quero fazer alguma coisa que me
torne importante e que eu goste”. A geração anterior tinha um pouco essa
preocupação, mas deixou um tanto de lado por conta da necessidade.
Quando o sr. se refere à geração
Y, aos millennials, está considerando um recorte ou o todo?
Claro que temos recortes. Não
estou falando de quem está atrelado ao reino da necessidade, que precisa
trabalhar sem discussão porque precisa sobreviver. Esta é uma questão de outra
natureza. O termo millennial que eu adoto, como muitos, é aquele que cunharam
para quem nasceu a partir dos anos 1990. E essa geração tem recortes mais
diretos em relação à camada social. Evidentemente se você considerar aqueles
que são escolarizados, têm boa condição de vida e que estão acima da
classificação oficial da classe D, essa geração tem mais possibilidade de
escolha à medida que a sobrevivência imediata não é uma questão. Ela pode viver
até mais tempo com os pais e ser por eles sustentada. Isso vem acontecendo. Já
integrantes das classes D e E têm mais dificuldade - uma parcela às vezes
encontra sobrevivência na transgressão, no crime de outra natureza e outros
encontram aquilo que é o trabalho suplicial que o dia a dia coloca sem
escolhas.
Como o senhor diz no seu livro
até para ser mochileiro, você precisa ser livre de uma série de restrições…
Sim, você precisa dominar outro
idioma, saber se virar. Há uma diferença entre um filho meu, de camada média,
com uma mochila nas costas andando pela rua em relação ao modo que ele se
conduz, à maneira como ele se dirige às pessoas do que ele ser, por exemplo, um
andarilho. Uma pessoa pode até ser mochileira, mas ela já tem condições prévias
que a tornam uma mochileira com menos transtornos do que como seria de outro
modo.
O senhor diz frequentemente que,
para fazer o que se gosta, é preciso fazer uma série de coisas das quais não se
gosta. Esse entendimento provém de uma educação na empresa, da família ou
escola?
É uma questão de formação
familiar. Hoje há uma nova geração que, especialmente nas classes A, B e C,
cresceu com facilitações da vida. Hoje a gente até fala em “adolescência
estendida” que vai até aos 30 anos e não necessariamente até os 18 anos. São as
pessoas que continuam vivendo com os pais, sob sustentação. Isso acabou levando
também a uma condição, que uma parcela dos jovens entende que “desejos são
direitos”, que vão obter aquilo porque é desejo deles e um outro vai providenciar.
Cria-se assim a perspectiva equivocada de que as coisas podem ser obtidas sem
esforço. Mas sabe, eu lembro sempre, trabalhar dá trabalho. Como costumo dizer:
“só mundo de poeta que não tem pernilongo”. É óbvio que isso não anula a
riqueza que essa nova geração tem de criatividade, expansividade, de
receptividade em relação a vários modos de ser. Uma geração mentalmente rica,
mas que precisa de um disciplinamento - que não é torturante, mas pedagógico -
e que começa na família e vai encontrando abrigo na empresa. Essas estruturas
são importantes para que essa energia vital não se dissipe. É preciso organizar
essa energia de modo que não se perca com inconstâncias, para ser algo que
possa de fato gerar benefício para o indivíduo e para a comunidade dele.
As empresas ainda não sabem
lidar, de forma geral, com a energia desses jovens?
Não, elas ainda estão começando a
aprender. Há algumas que já possuem uma certa inteligência estratégica e estão
se preparando e preparando seus gestores para que acolham essa nova geração
como um patrimônio e não como um encargo. Porque quando você acolhe a nova
geração como um encargo, em vez dela ser “sangue novo”, ela se torna algo que é
perturbador. E é claro que não é só o jovem que tem de se preparar para essa
condição. É necessário que a pessoa que a receba seja acolhedora, mas que
também se coloque em uma postura de humildade pedagógica. Que ela saiba que vai
aprender muito com alguém que chega com novas habilidades que a geração
anterior não tem. Lidar nos dois polos de maneira que equipes multigeracionais
ganhem potência em vez de entrarem em situação de digladio ou confronto.
Nesses dois polos, os
profissionais mais seniores ficam inseguros com receio de que seu papel não
seja mais relevante nas organizações. Como eles podem lidar com esse novo
cenário?
Eu só conseguirei ter essa
percepção de que estou ficando para trás se eu deixar de lançar mão daqueles
que chegam com coisas que eu ainda não conheço. E aí eu não vou ter só a
percepção, eu vou ficar mesmo para trás. A gente aprende muito com quem chega,
mas a gente também tem o que ensinar. Tem dois princípios que precisamos
implantar: 1) quem sabe, reparte 2) quem não sabe, procura. Se eu formar
seniores e juniores nesses dois princípios, de um lado vai ter generosidade
mental e de outro a humildade intelectual. Essas duas trilhas virtuosas serão
decisivas para que a gente construa maior potência no que precisa ser feito.
Com todos esses dilemas e
mudanças, a ambição é necessária? Uma pessoa ambiciosa é boa ou perigosa para a
empresa?
A pessoa ambiciosa é aquela que
quer ser mais e melhor. É diferente de uma pessoa gananciosa, que quer tudo só
para si a qualquer custo. Uma parte do apodrecimento que nosso país vive no
campo da ética hoje se deve mais à ganância do que à ambição. Eu quero um jovem
ambicioso. Eu, Cortella, sou ambicioso. Quero mais e melhor. Mais e melhor
conhecimento, mais e melhor saúde. Mas não quero só para mim e a qualquer
custo. A ganância é a desordem da ambição. É quando você entra no distúrbio que
é eticamente fraturado. Por isso, é necessário que uma parte dos jovens seja
ambiciosa. Um ou outro tem sim essa marca da ganância caso ele seja criado em
uma família, estrutura, comunidade, na qual a regra seja a pior de todas:
“fazemos qualquer negócio”. E essa regra é deletéria, é malévola aos negócios
que, embora possam ser feitos, não devem ser feitos. A ambição é necessária,
mas a ganância tem que ser colocada fora do circuito.
E quando você junta ambição e
pressa?
Não é algo que traz bons resultados.
Uma das coisas boas da vida não é ter pressa, é ser veloz. Se você faz um
trabalho apressadamente, você vai ter que fazer de novo. Quando eu vou
consultar médico, eu quero velocidade para chegar à consulta, mas eu não quero
pressa na consulta. Velocidade resulta de perícia, habilidade, de ser alguém
que tem competência no que faz. A pressa resulta da imperícia. Por isso, o
desenvolvimento da perícia, habilidade, competência permite que se faça algo
velozmente. E se sou veloz, aquilo que resulta da minha ambição pode se
transformar no meu êxito. Se sou apenas um apressado, vou ter que lançar mão de
trilhas escusas para chegar ao mesmo objetivo - e o nome disso é Lava Jato.
Há um certo profissional que
prefere hoje estabilidade e quer seguir uma carreira linear, sem grandes
saltos. Mas é visto como um profissional medíocre. Ele está errado?
É um direito que ele tem. Uma
pessoa tem direito de fazer essa escolha, mas ela também não pode se lamentar
em relação ao resultado que isso traz. Afinal de contas, essa é uma vida morna,
sem vibração. Não é uma que eu gostaria de seguir. Mas pode ser feita. Ninguém
é obrigado a atuar de um outro modo. Eu acho que escolher essa vida irá beirar,
em algum momento, à monotonia e isso gerará tristeza e frustrações.
Essa pessoa não projeta
provavelmente as expectativas dela dentro da empresa?
Não, ela apenas vê aquilo ali
como emprego. Emprego é fonte de renda e trabalho é fonte de vida. Trabalho dá
vitalidade, emprego pode te dar dinheiro. Qual a diferença entre trabalho e
emprego? O trabalho você faria até de graça. Há pessoas que encontram no
emprego o trabalho que gostariam de ter. Há pessoas que não encontram e são
infelizes e outras ficam apenas na rotina do emprego. Não seremos nós a dizer a
alguém que ele não pode fazer isso, mas a mediocridade como escolha não deixa
de ser mediocridade só porque foi escolhida.
Do mesmo modo, há quem projete
todas as expectativas dentro da empresa...
Sim e isso tem piorado muito.
Como o ambiente econômico piorou e a vida ficou mais complexa em relação à
condição de sobrevivência, muita gente se encontra desmotivada. Ela até faz,
mas não queria estar fazendo daquele modo e às vezes nem tem clareza do porquê
está fazendo. A empresa precisa entender
que necessita criar movimentos de estímulo em relação a essa atividade,
promover formação continuada, reconhecimento, tudo aquilo que faz com que a
pessoa ganhe energia e receba combustível. Ninguém motiva alguém, o que se pode
é estimular. A motivação é movimento interno - mas uma pessoa se encontrará
mais motivada se ela for estimulada a fazê-lo. Empresa inteligente faz isso,
promove momentos de reconhecimento para que as pessoas se sintam autorais
naquilo que fazem, nos quais as pessoas entendam que as empresas se interessam
por elas e não somente as usam. Entendam que são um bem, não apenas uma
propriedade no sentido maquinário do termo. E quem é cuidado por uma
organização também vai querer cuidar dela.
Em uma empresa com hierarquia
muito rígida, é muito difícil fazer isso caso a caso, correto?
Se a empresa não tiver isso vai
ter que inventar. Se ela é capaz de inventar participações do mercado, novas
tecnologias e inovação, ela terá também de buscar inovação na formação de
pessoas. Isso dá trabalho, mas é garantia de futuro. Quando a empresa fala que
o maior ativo é gente, isso precisa ser demonstrado. Lealdade é reciprocidade.
Se eu não percebo lealdade por parte de quem me contrata quanto à minha
dedicação... eu preciso ver que a empresa se dedica a mim também. E isso não é
com relação ao meu salário, porque eu vou sempre querer que ele seja superior,
mas que seja evidente que a empresa consegue cuidar de mim, ajudar a aumentar
minha capacidade, competência, não me colocar apenas como um peão de xadrez
dentro do tabuleiro. Porque aí uma hora a reciprocidade virá.
No livro, o senhor defende que as
empresas devem realizar atividades que façam seus funcionários refletirem sobre
o propósito do trabalho que realizam. Por que essa é uma atividade tão rara nas
empresas?
Algumas empresas temem que, ao
promover essa revisão, a pessoa abandone a companhia. Só que é necessário
promover situações, criar ocasiões que levem a refletir sobre a razão de estar
ali para que quando a pessoa resolva continuar na empresa, ela fique de modo
mais legal, mais persistente e sólido. De nada adianta eu ter um grupo que nem
pensa sobre a razão e no primeiro tropeço desiste, enfraquece, perde energia. É
uma medida cautelar, é criar ocasiões que façam vir à tona as razões e os
senões pelas quais alguém está ali. Assim é possível corrigir e dar maior
densidade à razão para que ela continue de uma forma muito mais substantiva. É
questão de estratégica, um caminho de perenidade que seja maior do que aquele
que traz apenas uma ilusão ou uma
simulação de lealdade.
Se você olhar para as
organizações que não têm um produto muito mais admirado, como elas podem fazer
para atrair e reter talentos em um mundo onde o propósito é mais valorizado?
Há algumas pessoas que não querem
mais trabalhar em uma organização que comercializa algo que seja malévolo,
menos sedutor, encantador. Isso tem levado as próprias empresas a reorientarem
seu modo de atuação. Um dos produtos que hoje está no alvo é o refrigerante,
sendo visto como fonte de malefício. Mas as grandes empresas do varejo vêm
reordenando a sua atuação nesse campo de maneira a tornar aquele produto como
algo que não seja entendido como maléfico. É difícil trabalhar hoje na
indústria do tabaco, na indústria armamentista. Mas veja bem, o que é trabalhar
na indústria armamentista? É trabalhar naquela que faz míssil ou naquela que
faz computador que também é colocado no míssil? Essa inter-relação leva a uma
revisão dessas percepções. A empresa não pode ser sedutora apenas na aparência,
precisa explicitar os compromissos que tem. É muito mais difícil enganar alguém
hoje do que há algumas décadas. A fonte de informação é imediata. Não sou tão
iludível quanto era quando era menino. Um jovem de 20 anos tem informações
sobre uma organização que não se conseguia tão facilmente antes.
O senhor aponta no livro que o
maior descontentamento atual dos funcionários nas empresas não é salarial, mas
a falta de reconhecimento. Por que a questão ganhou força nos últimos anos?
Hoje há um anonimato muito forte
na produção. Como a gente tem uma estrutura de trabalho em equipe muito grande,
o trabalho em equipe quase leva à anulação do reconhecimento do indivíduo. E
isso significa que um trabalho em equipe não prescinde da atuação de cada
pessoa. É necessário que não se gere anonimato. Eu insisto: reconhecimento não
é só pecuniário, financeiro, é autoral. É necessário que a empresa exalte,
mostre quem colaborou com aquilo. À medida que você tem reconhecimento,
comemoração, celebração, isso dá energia vital para continuar fazendo. Não se
entende aquilo como sendo apenas uma tarefa. O reconhecimento ultrapassa a
ideia de tarefa. Não sei se seu pai fazia isso, mas chegava em casa com o
boletim da escola, altas notas, e ele dizia: “não fez mais que a obrigação” -
isto é altamente desestimulador. É preciso reconhecer, dizer que é bacana,
comemorar. Aquilo que estimula a continuar naquela rota. Reconhecimento é a
principal forma de estímulo que alguém pode ter.
No livro, o senhor também cita a
obsessão por “uma tal ideia de felicidade” que acaba levando as pessoas a
viverem muito mais a expectativa do que a realização. Por que isto ocorre?
A felicidade não é o lugar onde
você chega. A felicidade é uma circunstância que você vivencia no seu dia a
dia. Não tem “a felicidade”. Você tem circunstâncias de felicidade, ocasiões,
que quando vêm à tona não devem ser deixadas de lado. Ninguém é feliz o tempo
todo - isso seria uma forma de idiotia - à medida que a vida tem suas
turbulências. Mas quando ela vier, admita a felicidade. Colocar a felicidade só
num ponto futuro, inatingível, isso é muito mais resultante de uma dificuldade
de lidar com a questão do que concretamente uma busca efetiva. Por isso, sim, a
felicidade é uma desejo porque o mundo tecnológico nos colocou em contato com
tantas coisas, mas nos deu uma certa marca de solitariedade, de ficar solitário
com relação àquilo que se tem, a uma ausência de contato muito forte. Tudo é
muito virtual e isso acaba gerando desconforto interno, angústia nas pessoas. E
a felicidade é um nome que as pessoas dão para superar essa angústia.
O que é felicidade para o sr?
É a que eu tenho na minha
vivência. Quando percebo uma obra feita, uma aula bem dada, um abraço sincero,
afeto verdadeiro, conquista merecedora. São meus momentos de felicidade. Não
são um lugar onde desejo chegar.
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