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Este Post tem Apoio Cultural da SDS FM
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Nossa problemática do lixo incorpora o contexto de descartabilidade de nossa sociedade
por *Dalberto Christofoletti
Tudo pode ser jogado fora: materiais, comida e até pessoas. Por isso há tanta dificuldade, por exemplo, de se manter os patrimônios históricos que contrariariam a lógica capitalista da rápida construção e desconstrução.
O atual sistema de coleta de lixo simplifica agora para complicar mais adiante, ou seja, podemos jogar qualquer coisa no lixo quando, no modelo ideal, a sociedade seria cada vez mais responsável pela menor produção e separação do lixo, como ocorre no Japão.
No caso japonês, existe até manual para os moradores. Na cidade de Yokohama há dez tipos de lixo. Para livrar-se de uma garrafa PET, por exemplo, é preciso lavar o interior, amassar e colocar em um saco plástico semitransparente antes de deixar para a coleta. Rótulo e tampinha ficam em um segundo saco, destinado a peças plásticas pequenas, assim a maior parte do lixo é destinada à reciclagem.
Como no Brasil ainda não fazemos isso, nossos aterros estão superlotados, as prefeituras gastam cada vez mais com coleta e há imenso prejuízo no descarte de materiais com possibilidade de reciclagem.
A boa notícia é a aprovação pelo Congresso em 2010 (depois de 21 anos de idas e vindas!) do Plano Nacional de Resíduos Sólidos – lei organizadora da deposição e reutilização do lixo.
De acordo com a lei, estão proibidos os lixões (resíduos a céu aberto). As cidades devem enviar o lixo para aterros sanitários e só poderão ser depositados resíduos que não puderem ser reaproveitados ou compostados. Não será mais permitido catar lixo, morar ou criar animais nos aterros. As empresas devem criar a chamada logística reversa, ou seja, elas não são mais responsáveis pelo produto só até a venda. Devem cuidar do lixo originário de seus produtos, como pilhas e baterias. E um dos pontos mais polêmicos: a lei obriga as pessoas a separarem o lixo (inspiração no modelo japonês?). Os municípios terão até 2014 para se adaptarem às novas regras.
Um documentário interessante sobre o lixo concorre ao Oscar. Ele se chama “Lixo extraordinário” e foi gravado no maior aterro sanitário do mundo, localizado no Jardim Gramacho, em Duque de Caxias (RJ). Lá trabalham três mil catadores, em sua maioria moradores de uma favela ao lado. No documentário, o artista Vik Muniz transforma também em artistas alguns dos catadores do aterro, numa bonita demonstração da possibilidade de encantamento ainda que na dura realidade do contato com o lixo. Existem cenas marcantes, como a da catadora que afirma estar com ódio por ser obrigada a trabalhar ali, e a de outra que recebe reclamações das pessoas do ônibus ao voltar fedida para casa.
Um dia, quando resolvermos as questões técnicas do lixo e nossas graves desigualdades sociais, ficará no passado a poesia denúncia “O bicho”, de Manuel Bandeira: “Vi ontem um bicho/ Na imundície do pátio/ Catando comida entre os detritos/ Quando achava alguma coisa,/ Não examinava nem cheirava:/ Engolia com voracidade./ O bicho não era um cão,/ Não era um gato, Não era um rato./ O bicho, meu Deus, era um homem”.
(O autor é professor de Geografia/Geopolítica e coordenador de projetos socioambientais.
E-mail: dalberto@vivax.com.br)
E-mail: dalberto@vivax.com.br)
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